quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Quão bom é suficiente para estar bem?

 

https://drive.google.com/uc?export=view&id=1fXzi6aKZCWTT6Gug6Tbb2WWlfnjWND7E



Toda semana, passo por uma residência bem peculiar, difícil não reparar naquele lar. Ela me faz pensar muito nisso que chamamos de bem estar.  

É um contexto que, a maioria de nós, enxerga como miserável. Porém, não é isso que a cena me transmite.  

Trata-se de alguém que vive em uma barraca de acampamento em uma calçada pública, ou seja, uma pessoa em situação de rua.  Mas o que me chama atenção é o zelo que o habitante daquele lar tem com seu ambiente. A barraca é decorada com adornos e flores.  Está sempre limpo ao redor.  A cada semana parece que tem um detalhe novo ou um rearranjo na disposição dos objetos. Nitidamente, a pessoa que ali habita cuida do seu habitat.  

A gente é condicionado a pensar que o bem-estar está associado à conquistas materiais: emprego, casa, carro, viagens etc. Quanto mais, melhor. 

Até mesmo as relações são construídas e mantidas de forma a ostentar um padrão de felicidade. 

Não quero romantizar a miséria nem a solidão,  mas será que isso tudo é realmente o que garante nossa satisfação pessoal? 

Toda vez que vejo essa moradia eu penso que deve haver muita gente vivendo em casas luxuosas se sentindo mais miserável do que aquela pessoa. 

Sempre me lembro de um outro morador de rua que conheci há anos. Ele me disse que escolheu morar na rua, pois a família dele não o aceitava porque ele era alcoólatra. Então ele preferiu deixar tudo: casa, emprego, família e morar na rua. Ele me disse que vivia melhor ali, apesar do desconforto físico, não tinha que lidar com a cobrança e pressão familiar e sentia respeitado. Era uma pessoa inteligente, agradável para conversar. Chegou a me dar dicas de carreira.   

Mas eu u não conseguia entender. Nessa época, eu trabalhava e estudava. Sonhava em entrar na universidade, conquistar alguma coisa na vida e ter um mínimo de segurança sócio-econômica. Então, não fazia nenhum sentido para mim alguém que teve tudo isso e resolveu largar tudo.  

Mas hoje eu consigo entender um pouco melhor. 

A gente vive, quase sempre, de modo automático. Sempre correndo atrás de algo que parece inalcançável. Se temos um emprego, questionamos se há outro melhor; se temos casa, queremos uma maior ou mais sofisticada; se podemos viajar, parece que sempre podia ter sido mais bem aproveitada. E assim seguimos, correndo, lutando, se comparando e sempre se sentindo incompleto, constantemente com a sensação de tudo que temos nunca é  suficiente, sempre  falta algo. 

Mas que algo é esse? 

Eu não acredito que é preciso viver sem um mínimo de conforto. Pelo contrário, penso que  todos deveriam ter condições básicas de subsistência e serem tratados com a mesma dignidade e respeito.  

Quando penso sobre isso, me lembro da pirâmide de Maslow (recentemente descobri que ele não desenhou pirâmide nenhuma, mas a ideia é dele). 

https://drive.google.com/uc?export=view&id=1_2uEedgzlJ8Nq4s9t4UJaKLKrR_tjF7M
Pirâmide de Maslow


É uma ilustração muito clara sobre as necessidades e desenvolvimento humano. Para nos ocupar de coisas além da sobrevivência, é preciso primeiro atender aspectos básicos como:  necessidades fisiológicas, físicas etc. Só com um mínimo de dignidade podemos nos dedicar a questões mais profundas relacionadas à natureza humana.  

Porém, a maioria de nós vive aquém desse mínimo. E pior, mesmo quando conseguimos escalar alguns níveis da pirâmide, raramente nos contentamos. Somos instigados a procurar sempre fora o preenchimento para o vazio interno. 

As pessoas que se dedicam mais às questões que estão no topo da pirâmide de Maslow costumam ser guias para uma multidão que quase nunca consegue chegar lá, pois não sabe exatamente o que está fazendo, apenas segue o líder em busca de algo que parece necessário, mas sem clareza do que é exatamente. 

Então, passamos a vida como um burro correndo atrás de uma cenoura que está presa à sua cabeça. Por mais que ele corra, nunca vai alcançá-la. 

Aí eu penso nessas pessoas que abrem mão do status de bem sucedido, da recompensa por suas conquistas e parecem viver em paz.  Imagino que não é uma escolha fácil.  E o processo para chegar ao ponto até tomar essa decisão deve ser árduo, mas parece libertador. 

É uma escolha muito radical. Mas, talvez, entre uma vida internamente miserável, mas socialmente bem sucedida, seja mais gratificante viver em paz, ainda que  sem benesses materiais. 

Mas será que é preciso optar entre uma coisa ou outra? Será possível usufruir de conforto e comodidades materiais, mas também se sentir plenamente realizada? 

Acho que a resposta para essa questão começa pelo auto conhecimento. Precisamos saber o que nos motiva, o que nos alegra e aquilo que é essencial para nos sentirmos em paz. Talvez o caminho deva passar por aplicarmos mais nossos recursos no que faz sentido para nós, ao invés de acumular coisas e experiências para sustentar o status de bem sucedido. 

Quem sabe é possível encontrar o equilíbrio entre o que precisamos, o que somos e o que queremos. Mas para isso é preciso se libertar de algumas ideias impostas e ter consciência do nosso lugar no mundo. 

Mas não existe resposta única, tampouco uma fórmula universal para encontrar o caminho. Cada um é responsável por encontrar-se e escolher por onde e como caminhar pela vida. 









domingo, 17 de julho de 2022

Deixe-me sentir





Antes de tudo, quero deixar claro que esse texto, em hipótese alguma, sugere interrupção ou mesmo alteração de qualquer tipo de tratamento médico ou terapêutico. 

É apenas um resumo das minhas reflexões e experiências individuais. 


O mundo é cruel com pessoas  fora da média. Não importa qual seja o aspecto: pode ser físico, emocional, social etc. Se em algum deles, você estiver fora do padrão, sofrerá pressão para se adequar.  

Quando o assunto é emocional, a pressão começa bem cedo. Desde que nascemos, somos condicionados a a nos encaixar num padrão de comportamento bem mediano. A sociedade não aprova comportamentos excêntricos de crianças. 

Bebês devem chorar, mas se for demais tem algo errado. As crianças podem brincar, pular e correr, mas se for exagerado, é sinal de alerta, melhor investigar. Espera-se que seja comunicativa, mas se falar demais pode ser um problema. 

 Assim, vão surgindo rótulos, nomes diversos  para designar perfis de pessoas que estão fora do que o mundo  considera aceitável. 


Em consequência , uma boa parte das pessoas  que está  fora da média, que não se encaixa naturalmente no que     é classificado como equilibrio emocional,  cresce tentando se encaixar. 

É comum que pessoas mais sensíveis aprendam   a suprimir as emoções para estar ajustadas ao padrão de comportamento esperado, mas isso tem um custo alto. 

 Essa repressão de sentimentos e emoções, dificilmente,  se sustenta a vida toda. Uma hora vem tudo a tona, como uma avalanche, e arrebenta a porta que parecia selada.  E quando isso acontece, mais uma vez, vem os rótulos e  a necessidade de tentar calar os sentimentos. 

Na ânsia de ter uma vida, minimamente, funcional, buscamos formas de extravasar: comida, álcool, drogas, compras, e  uma infinidade de excessos são usadas como válvulas de escape para  equilibrar nossas emoções. E quando esses recursos  já não são suficientes, ou viram outro problema,  nos vemos obrigadas a recorrer à tratamentos diversos, de preferência com resultado rápido, afinal quem é que pode ficar fora do eixo por muito tempo?

 E assim,  cada vez mais normalizamos o uso de medicamentos que controlam a mente e as emoções. 

Você no controle da sua vida, eles dizem 


Eu fui uma criança fora desse padrão. Me chamavam de chorona, chata, esquisita e tantas outras  coisas que faziam com que   me sentisse desajustada e deslocada. 
Com o tempo, aprendi a segurar o choro, a não me expressar demais, mas ao mesmo tempo interagir com as pessoas como se fosse algo natural e necessário. Mas manter esse controle nunca foi fácil. Sempre gastei muito tempo e energia tentando aprimorar minhas habilidade socio-emocioanis. 


Desenvolvi um processo de análise das inúmeras possibilidades de diálogos e como responder a cada um deles diante de uma nova interação social. E após toda experiência, passava um bom tempo analisando tudo que saiu fora do meu script,  como eu reagi e tudo que poderia ter feito diferente. É algo tão exaustivo que perdi as contas de quantas vezes evitei situações de convívio social para não ter que executar esse procedimento. 


Mas eu fui seguindo, sobrevivendo como pude, aparentemente saudável e bem ajustada ao mundo em que vivia. Mas em algum momento, a conta chega. O corpo começa dar sinais. A mente grita até desistir e desabar.  Em um determinado momento   percebi que precisava de suporte profissional. Procurei um psiquiatra e desde a primeira consulta me prescreveram um medicamento para me reconfigurar. 

Mas não queria saber só o equilíbrio químico, precisava  ir além. Busquei  ajuda para entender a raiz do problema. Encarei os traumas que pareciam superados. Reabri feridas que pareciam curadas. 

Esse foi, e ainda é, um processo doloroso, mas que me trouxe muita clareza e auto-conhecimento.  

 Comecei a perceber que a vida toda busquei me enquadrar. Aos poucos, entendi que na  ânsia de me sentir parte de  grupos, de não me sentir deslocada ou estranha vivi muito tempo  sem saber quem eu sou, o que de fato me faz feliz e como me sinto bem.  Suprimi minhas emoções e desejos para me sentir "normal". 

Eu tenho plena consciência da importância da medicação para reestabelecer o equilibrio mental. Sou grata por ter encontrado um médico que me ouviu e me respeitou. Mas não posso deixar de refletir no impacto que isso tem. 

Os médicos, em geral, seguem protocolos. Mesmo aqueles que olham o paciente com atenção tem um processo mais ou menos padronizado. 
Ao longo desse processo, me consultei com 3 ou 4 psiquiatras. Me chamou a atenção que, mesmo relatando coisas diferentes, eles me faziam perguntas muito semelhantes. Sugeriam coisas similares. 

Mas será que é eficaz tratar pessoas dessa forma? Não quero criticar o uso de medicamentos, porém me pergunto se seria possível agir para que eles não sejam tão necessários.  

Os remédios são cada vez mais usados. Se há alguns anos pessoas que usavam medicamentos controlados eram estereotipadas, hoje em dia é difícil encontrar alguém que nunca tenha  usado alguma substância neuropsiquiátrica, nem que seja por um período curto. 

E a industria farmacêutica investe cada vez mais, pois sabe que é um mercado vasto. Há de tudo nas farmácias: fórmulas para acabar com a tristeza, para reduzir a ansiedade, para controlar os impulsos, para dar ânimo e uma infinidade de outras coisas  que tem um objetivo comum: suprimir sentimentos e emoções. 

Eu reconheço que a medicação foi necessária e importante para que eu pudesse reagir a uma fase extremamente difícil. Mas hoje, ja em processo de retirada dele, percebo que não adianta tomar substâncias que inibem algumas emoções, se não houver um trabalho conjunto  para achar a raiz do problema. 
Os remédios sozinhos calam as emoções e controlam a mente, mas a cura verdadeira vem quando aprendemos a nos respeitar e aceitar quem somos.  

 Acreditei por muito tempo que o choro é sinal de fraqueza, que não é normal preferir o silencio de vez em quando, que é preciso sorrir quase o tempo todo, que se expressar abertamente é ser chata. 

Tentar conter minha natureza fez com que eu me perdesse de mim mesma. 

Agora estou num processo de respeitar quem eu sou e parar de tentar me encaixar. 

Não quero mais suprimir nenhum sentimento, ainda que pareça algo negativo.
 Pelo contrário,  quero poder sentir a tristeza se ela chegar, pois sei que não se pode ser feliz o tempo todo. Quero sorrir quando tiver vontade e não para disfarçar um desconforto. Quero expor as minhas ideias para quem gosta de conversar comigo e quando preferir, ficar em silêncio sem me sentir esquisita. 

Enfim, quero receber qualquer sentimento sabendo que nenhum deles será para sempre e não há necessidade de buscar recursos externos para lidar com eles. Ao contrário, quero conseguir olhar para dentro de mim e  identificar a raiz de cada um deles e aprender a não me deixar abalar mais tão facilmente. 

As vezes dói olhar para trás e imaginar como eu seria se eu nunca tivesse buscado estar dentro do padrão. 
Em alguns momentos  me pergunto:  como teria sido minha vida se não precisasse me moldar e controlar o tempo todo para atender  expectativas alheias? Como eu seria hoje se tivesse sido emocionalmente respeitada? 


Nunca terei respostas para essas perguntas. Seria ótimo poder voltar no tempo e dizer para aquela garotinha assustada e insegura: pode chorar! 




Infelizmente, isso não é possível. Porém, posso olhar para frente e não repetir os mesmos erros. Posso quebrar o ciclo de tentar me moldar ao mundo.  

 Cada vez mais tento me respeitar, reconhecer meus limites e os ambientes onde posso ficar a vontade. Não espero que a sociedade,  ou grupos e pessoas específicas, me aceitem.  

Hoje, me dou o direito de me retirar de onde  não estiver a vontade.

Acho ingênuos certos manifestos que vejo por aí clamando por normalização das mais variadas coisas.  É ingênuo porque qualquer normalização vai excluir os que estão fora da média. Além disso, por que esperar que os outros nos aceitem ao invés de entender que ninguém se encaixa em todos os lugares? 

Para mim, faz mais sentido aceitar quem somos e respeitar as diferenças e nossos limites. 

Eu não posso mudar o mundo, tampouco as pessoas, mas posso mudar a maneira como me enxergo e lido com as situações. E hoje, entendo que esse é o caminho para o bem estar.

Modificando uma frase, que erroneamente é atribuída a Frida, eu diria:

Onde não puderes ser quem és não te demores. 

 



segunda-feira, 27 de junho de 2022

Maternidade e aborto: será que a vida vem em primeiro lugar?

Há um bom tempo que quero expor alguns pensamentos sobre isso, mas não é um assunto fácil para mim por diversas razões.
Quando eu era adolescente, assisti uma palestra contra o aborto num grupo de jovens em uma igreja que frequentava. Ironicamente, era um homem conduzindo a “conversa”. Ele exibiu alguns vídeos que mostravam procedimentos abortivos, onde claramente havia um grande sofrimento fetal. Ele dizia que o bebê lutava pela vida até o último instante, demonstrando o desejo natural de viver.

Eu ainda me lembro das imagens e da tristeza que senti vendo aquilo. Como jovens sendo imersos nesse tipo de orientação não vão se tornar adultos totalmenente contra o aborto?
Porém, após muitos anos de reflexão sobre o tema, entendi que não é bem assim.
Antes de tudo, homens deveriam ter um papel absurdamente menor nesse assunto. Na verdade, se querem lutar pela vida e direito das crianças, deveriam começar por medidas que reduzam o abandono parental. Trazer a discussão sobre a responsabilidade dos homens na criação e desenvolvimento dos filhos. Pois um dos motivos que levam mulheres a querer interromper uma gestação é a certeza de que estarão sozinhas nessa jornada.

Outra coisa que consegui desmistificar foi essa suposta luta pela vida do feto.

Quando fiz a primeira ultrassonografia da Clarice, minha filha caçula, saí da clínica chorando. O que era pra ser um momento de alegria se transformou em angústia, pois com 7 semanas de gestação, não foi possível ver um embrião em minha barriga, onde eu acreditava que já tinha um bebê. A médica que fazia o exame, apenas me disse que era comum gestações anembrionárias e que eu deveria refazer o exame em 1 ou duas semanas para ter certeza se o embrião se formou. Até aquele momento, eu nem sabia exatamente o que era esse tipo de gravidez.
As semanas seguintes, foram de tristeza e muita pesquisa sobre o assunto no dr. Google. Li muitos relatos de mulheres que tiveram esse tipo de gestação. Algumas abortaram espontaneamente, outras tiveram algumas complicações como gestação ectópica. Além dos efeitos emocionais que todas passam.
Sabem o que todas essas mulheres escutam quando falam de suas tristezas por não levar a gravidez adiante?
“Logo vem outro” “Vai ficar chorando por um bebê que nem viu?” “Encomenda outro logo que a tristeza passa.” E várias outras coisas do gênero.
Eu também ouvi coisas do tipo quando falava sobre minha angústia diante da dúvida se tinha um bebê se formando naquele momento.
Diante disso, eu pergunto: a preocupação com o sofrimento fetal é realmente uma valorização da vida ou uma tentativa de controle sobre as gestantes?
Mas a questão é muito mais complexa.
Ao contrário do que muita gente pensa, uma gravidez não é só benção para mulheres. Nossos corpos são totalmente transformados, desenvolvemos sintomas e alguns problemas que ainda não tem explicação, tratamento 100% eficaz ou mesmo eliminação de riscos. E ainda que corra tudo bem, nunca mais seremos as mesmas. Corpos, mentes e psique serão pra sempre marcados pela chegada de cada filho, ainda que seja desejado, aceito e muito amado.
É por isso que quem deveria ter total autonomia para decidir se quer ter o filho é a mulher que está passando pelo processo único. Não importa se ela é casada, solteira, jovem, velha ou já tem filhos.

Ahhh mas e o direto do bebê? Alguns dizem.

Eu já tive essa preocupação também. Eu entendo, assim que pensamos numa gestação, a imagem que nos vem à mente é de um bebê, quase sempre fofinho e cheiroso. Porém, só com 10 semanas de gestação há um feto formado. E esse feto só poderá sobreviver fora da barriga da mãe após cerca de 25 semanas. E o possível sofrimento que esse feto possa ter antes disso, pode ser eliminado com uso de anestésicos.
Mas é importante saber que muitos estudos indicam que o feto não sente dor até 24 semanas, outros falam em 30 e pouquíssimos falam de sensações de sofrimento antes disso.
Seria maravilhoso se nenhuma mulher precisasse passar por isso. Se pudéssemos engravidar em condições desejáveis, mas a realidade é outra. Nenhum método anticoncepcional é 100% garantido e, além disso, a responsabilidade por evitar uma gravidez indesejada está quase toda com a mulher.

Eu queria compartilhar algumas histórias que conheço, mas o assunto é tão delicado que nem falar abertamente sobre ele a gente pode. Mas passar por um aborto não é fácil e tranquilo para ninguém. Uma mulher que toma essa decisão sofre e precisa de apoio, não de julgamento e condenação.

Não é à toa que em países onde o procedimento é legalizado, o número de abortos reduz com o passar dos anos.


Enquanto quem tem um pouco de recurso e apoio consegue interromper a gravidez com um certo grau de segurança, mulheres pobres colocam suas vidas em risco diante do desespero da gestação indesejada. A proibição não impede que o aborto aconteça, só mata mulheres.
Para mim, é claro que a discussão sobre a legalização do aborto não é uma preocupação com a vida do bebê muito menos com a da mãe. Na maioria das vezes, é só uma tentativa de impor suas crenças e mitos sobre os outros. Há ainda uma parcela de dominação sobre o direito da mulher.


E por fim, penso que é importante lembrar que você pode ser totalmente contra o aborto e não fazê-lo de forma alguma, porém isso não deveria tirar o direto de quem vê nessa alternativa um futuro menos sofrido do que levar adiante uma gestação não desejada.


quinta-feira, 26 de março de 2015

Vão-se os anéis, ficam os dedos

Vão-se os anéis, ficam-se os dedos. Se você já foi vítima de algum tipo de violência, muito provavelmente, ouviu esse ditado de alguém como tentativa de consolo. O problema é que não somos feitos só de "dedos".
Ano passado, após 12 anos morando no Rio de Janeiro, vivenciei meu primeiro assalto. Há alguns anos, durante uma conversa com um grupo de colegas que relatavam suas experiências de assaltos ou pelo menos tentativas,  ao ouvir que eu ainda não tinha sido nem sequer abordada por um assaltante, um deles me disse: "qualquer dia desses alguém vai te abordar na rua e dizer - senhora, vim corrigir essa falha estatística na sua vida, isso é um assalto". Naquele momento achei graça e apenas ri. Porém aquela frase ecoou em minha cabeça por muito tempo. Realmente parecia que de todos meus conhecidos eu era a única que nunca tinha vivido essa experiência tão comum na cidade maravilhosa. Até que meu dia chegou, porém os assaltantes não foram tão educados ou divertidos quanto meu colega imaginou.

Antes desse dia, sempre que conversava com alguma vítima da violência urbana me vinha a mente esse ditado tão comum. Era difícil entender como tanta gente, mesmo tendo saído ileso, continuava assustado, revoltado e com medo. Depois desse dia fatídico passei a entender como, mesmo não perdendo nenhum dedo é possível ficar traumatizado após minutos de medo. Até hoje, após mais de 6 meses, ainda tenho receio de andar sozinha na rua, principalmente onde fui assaltada, ao passar por lá ainda sinto palpitação, tremor e um suor frio escorre pelo corpo.
Sempre que se discute a criminalidade urbana dois pólos se formam: de um lado os que entendem que a violência urbana é fruto do modelo sócio econômico que vivemos, e por isso é preciso atacar as raízes do problema; e do outro aqueles que querem penas mais rigorosas para delinquentes, que normalmente diz direitos humanos é para humanos direitos. Eu sempre estive no primeiro grupo. 
É muito comum ouvir pessoas dizendo " tá com pena leva pra casa" quando alguém sugere tratar com dignidade os infratores, especialmente os menores de idade. A coisa mais difícil quando se convive em grupo é separar as emoções da razão. Então, quando alguém é vítima da violência, ou teme ser, tende a agir e argumentar baseado em suas emoções. Geralmente, estão em  um frenesi de raiva, revolta, sensação de impotência e medo. Eu passei por isso depois de ser assaltada e hoje entendo porque tanta gente tem um discurso tão intolerante quando o assunto é violência urbana. Porém, busquei separar as emoções da razão para continuar vendo que as pessoas que invadiram minha vida, tirando minha paz e me fazendo temer ainda mais andar pelas  ruas do Rio de Janeiro, são tão vítimas, ou até mais, do que eu. A diferença é que eu fui vítima de dois indivíduos, enquanto eles são reféns da sociedade. Tiveram suas vidas invadidas desde que nasceram. Cresceram à margem de uma sociedade excludente, que gera seus próprios malfeitores, e quando a situação tende a ficar fora de controle quer tratar o problema como se fosse um tumor a ser exterminado. 

Quando nos deixamos levar pelas emoções buscamos vingança e não justiça. Alguns dias depois de ter feito o boletim de ocorrência do meu assalto recebi um email da delegacia com alguns suspeitos para que eu identificasse. Reconheci alguns rostos, porém não eram as pessoas que  assaltaram, eram alguns moradores de rua que circulam pela região em que moro. Coincidência ou não, nunca os vi abordando ninguém, nem mesmo para pedir dinheiro, muito menos para assaltar. Porém, foram classificados como suspeitos. Fiquei pesando, e se eu quisesse me sentir vingada e apontasse dois deles como sendo as pessoas que me assaltaram? Será que eles teriam direito à defesa? Seriam tratados com justiça? Duvido. Seria a palavra de uma "cidadã de bem" que paga impostos e contribui para sociedade contra a de um marginal, alguém que é visto como a escória da sociedade.  
Os marginais que assolam nossa sociedade sabem muito bem que suas vidas valem menos do que os objetos que eles roubam, por isso se arriscam sem pudor. Para nós, "cidadãos de bem" parece que eles estão cada vez mais audaciosos, que não respeitam a vida de ninguém e são capazes de matar alguém em troca de um celular ou os trocados que carregamos no bolso. Entretanto, como esperar respeito de quem não sabe o que é ser respeitado? 
É claro que nada disso justifica que alguém cometa um crime. Sempre há uma alternativa, vira e mexe alguém contraria todas as expectativas e segue um caminho considerado "do bem" para a sociedade, porém não é atoa que essas pessoas viram destaques na mídia, pois não é o que se espera delas. A vida é feita de escolhas, e todos em algum momento escolhemos mal, a diferença é o impacto e as consequências de nossas escolhas. 

Antes de julgar e condenar é preciso exercitar a alteridade. Ou seja, colocar-se no lugar do outro, não apenas com o intuito de avaliar uma ação isolada, mas procurando entender o contexto em que a pessoa se desenvolveu. É muito fácil olhar um assaltante de dizer que jamais faria isso. Porém, será que se estivesse sujeito as mesmas condições de vida daquele sujeito você jamais cometeria um contravenção?

Não podemos ignorar que temos um problema grave, enquanto a violência cresce aqueles que sofrem com ela se sentem desamparados pelo poder público, não há segurança, não há apoio para vítimas, não há nada que as faça acreditar que é possível mudar, que é possível recuperar os indivíduos que perturbam a ordem social. Então nos deixamos levar pela raiva medo e revolta, acreditando que estamos clamando por justiça gritamos por vingança, sem perceber que estamos vivendo um círculo vicioso, do qual não sairemos sem uma mudança profunda em nossa sociedade.  Não adiantará penas mais severas justiceiros pelas ruas. Enquanto não construirmos uma sociedade onde qualquer vida valha mais que um celular, independente se é rico ou pobre, preto ou branco, jovem ou velho. Enquanto não houver dignidade e respeito para  todos. Continuaremos vivendo essa disputa entre marginais e cidadãos de bem, sem perceber que somos todos vítimas do mesmo mal. Até que essa mudança ocorra e surta efeitos só resta agradecer por terem ido os anéis, mas ao menos terem ficado os dedos. 

terça-feira, 17 de março de 2015

Quem quer impeachment?

Quando era criança meu pai sempre me dizia que se eu continuasse assistindo muita TV ficaria alienada, viraria massa de manobra, seria mais um boi na boiada seguindo o berrante de quem domina o mundo. Inicialmente, eu não entendia o que ele dizia, quando passei a compreender fiquei muito irritada, pois achava que ele estava me chamando de imbecil, que não tinha capacidade de pensar.  
Hoje vejo que o problema não é especificamente a TV, é se deixar levar pela opinião dos outros, independente de qual seja o veículo de comunicação. 

Muita gente costuma dizer que uma imagem vale mais do que mil palavras, entretanto essa frase deveria ser "uma imagem engana mais do que mil palavras". Me lembro de uma propaganda da Sprite que mostrava uma imagem linda, de um líquido verde caindo com tanta suavidade e beleza que,  mesmo sem saber o que era, dava vontade de experimentar. Porém o líquido era óleo de rícino, e a propaganda dizia "imagem não é nada, sede é tudo, beba Sprite". Essa propaganda exemplifica bem como podemos ser enganados por uma imagem. E os veículos de comunicação e pessoas que tentam manipular multidões sabem muito bem disso. 

Na era da internet a desinformação é gritante. Me impressiona ver como as pessoas compartilham qualquer imagem ou vídeo carregados de falsas informações sem ao menos criticar se tudo aquilo é verdade. Entendo que muita gente vive imersa em compromissos, trabalho, casa, família, amigos tomam tanto do nosso tempo que não dá pra ficar verificando tudo que se recebe por email, facebook etc. Ao final, muitos só têm tempo para entender e se atualizar sobre o que se passa no mundo através  de  telejornais e acompanhar notícias pelas redes sociais. Então quase ninguém para pra pensar que as grandes emissoras de tv, rádio e jornal são empresas que visam lucro e tem interesses muito bem definidos. Também fica difícil imaginar que por trás das imagens que circulam pela internet há pessoas com propósitos articulados, tentando angariar seguidores. Por exemplo, a emissora de maior audiência no Brasil é acusada de sonegar mais de 600 milhões de reais. Não é preciso pensar muito para concluir que ela jamais noticiaria isso. 
Observando a atitude das pessoas que saíram às ruas no último domingo gritando impeachment, fico pensado será que elas sabem a quem estão servindo?

Muitos acreditam que toda essa mobilização surgiu espontaneamente entre o povo que está cansado de tanta corrupção, que não aguenta mais a situação que o Brasil se encontra. Acham que a população está apenas mostrando sua insatisfação e exercendo seu direito democrático de protestar. Porém, diversos veículos internacionais atribuem a grande manifestação a três grupos, que embora se declarem apartidários têm pontos muito definidos. Eis aqui uma excelente matéria feita pelo jornal espanhol El País. Nessas horas é que faz sentido o que meu pais dizia.

Curiosamente, os grandes veículos de comunicação brasileiros pouco disseram sobre a formação ou intenção desses grupos. Fazendo uma busca pela internet é possível encontrar denúncias de blogueiros e mídias alternativas sobre os líderes desses movimentos. Para quem não tem medo de ler coisas fora da grande mídia eis um texto resumindo o perfil dos administradores do "revoltados online".


Há algum tempo eu seguia a página "revoltados online" no facebook, acho que cheguei a compartilhar algumas de suas publicações. Deixei de "curtir" a página quando vi conteúdo  que disseminava ódio contra homossexuais e rebaixamento de mulheres. Naquela época a página não tinha tanta influência quanto hoje. Me lembro de ter visto durante as manifestações de 2013 uma foto na página deles de um grupo de poucas pessoas segurando uma faixa na praia que dizia " saímos da internet e estamos na rua, investiguem o líder da quadrilha petralha". Nem sei se foram eles que cunharam o termo "petralha ", mas foi através deles que tomei conhecimento desse trocadilho. Quando vi recentemente a proporção que chegou a influência desse grupo fiquei assustada. É difícil acreditar que tanta gente compartilhe das idéias fascistas e retrógradas desse grupo.

Outra coisa que me chamou atenção sobre esse grupo foi descobrir que eles transformaram o "movimento popular" em um negócio. Novamente nossa mídia não menciona esse detalhe sobre os líderes da "maior manifestação democrática do Brasil", mas o El País, mais uma vez, não deixou passar. Confira aqui. 

O grupo chamado "Movimento Brasil Livre" é mais recente do que o "revoltados on line", mas não menos polêmico. Há suspeitas de que eles recebem dinheiro de petroleiras internacionais. Além disso, apesar de se declararem apartidários em entrevistas concedidas recentemente disseram que iniciaram o movimento para fortalecer a campanha do Aécio. 

Não bastasse o oportunismo desses grupos, os  líderes de dois dos três movimentos que lideram os clamor pelo impeachment da presidente Dilma (que foi eleita democraticamente) pretendem entregar o pedido ao Eduardo Cunha.  Se a maior reivindicação dos manifestantes é o fim da corrupção, oras, então porque procurar como representante um político que, entre outras suspeitas, está sendo investigado na operação lava-jato?  Há, no mínimo, uma grande incoerência nessa história.  

Ainda que alguns achem que não são influenciados por esses grupos, pois não seguem suas páginas tampouco doam dinheiro para suas campanhas, não se enganem. Muitas das imagens e textos que chegam com uma enxurrada de informações para vocês através internet partem desses movimentos ou de grupos adjacentes. 

Ser contra a corrupção é ótimo, lutar por uma sociedade melhor é maravilhoso, mas é preciso abrir bem os olhos para não ser feito de massa de manobra. Eu não acredito que a maioria das pessoas que saiu às ruas no último domingo quer a volta da ditadura ou retrocesso social quanto aos direitos femininos e das minorias, prefiro pensar que, infelizmente, muitos estão enganados por esses manipuladores, que falam e agem como se fosse pelo povo, mas na verdade buscam benefício próprio. 

Para criar um senso crítico e ter opinião própria é preciso investir tempo em informação e conhecimento, é preciso refletir e questionar até mesmo o que parece óbvio. Enquanto isso não fizer parte de nossa rotina, continuaremos correndo o risco de sermos usados por aqueles que sabem muito bem o que estão fazendo. A intenção da maioria pode até ser boa, mas, como diz o ditado, de boa intenção o inferno tá cheio.  

quinta-feira, 12 de março de 2015

Vamos embora pra Pasárgada?

Me lembro da primeira vez que li o poema de Manuel Bandeira “Vou-me Embora pra Pasárgada”, fiquei um tempo imaginando como seria aquela terra onde, sendo amigo do rei, você poderia ter tudo o que quer.  Quando a professora pediu que escrevêssemos como seria nossa Pasárgada cada um idealizou a sua com elementos que compõe a utopia de um paraíso, com a garantia de sua própria felicidade. 

Recentemente li uma declaração de um jornalista famoso e polêmico se queixando de uma professora da filha dele, que teria criticado o político que ele defende e a revista onde ele trabalha.  Furioso, ele disse que em breve livraria a filha desse tipo de professora, pois está de mudança para os EUA. 

Desde o último período eleitoral tenho visto muita gente com um desejo forte de ir embora do Brasil. Normalmente, essas pessoas querem se ver livres dessa terra onde não conseguem ter o querem ou fazer prevalecer suas vontades, então passam a procurar suas Pasárgadas, onde todos os problemas da terra tupiniquim não existem, onde elas esperam ter a vida que sonham. 

Acho muito saudável morar em um outro país, a diferença cultural e social enriquece a formação e amadurecimento do ser humano.  Conheço algumas pessoas que foram morar fora e outras que decidiram adotar o Brasil como lar. Sempre que converso com essas pessoas sobre como é viver em um outro país percebo que há um consenso: há perdas e ganhos, não existe um lugar perfeito. 

O que chama atenção na atitude do tal jornalista, e de muitos outros que gritam em coro que vão embora do Brasil, é a motivação que eles têm. Insatisfeitos com a atual situação política, social e econômica e sem poder impor suas vontades e ideias para um Brasil melhor, essas pessoas sonham com a Pasárgada de Manuel Bandeira.  É curioso pensar que tanta gente acredita que nos EUA as pessoas são livres. Cada vez que passo por lá fico mais convencida de que o conceito de liberdade dos americanos é uma ilusão. A sociedade é bem organizada e funcional, porém isso é fruto de um controle acirrado que tolhe a liberdade. Recentemente, um colega me chamou a atenção para uma placa em um mall a placa dizia "loitering forbidden". Já havia visto essa frase em outros lugares , mas como não conhecia a palavra loitering sempre a ignorei. De acordo com o dicionário essa palavra significa ficar parado ou esperando sem razão aparente. Fiquei impressionada de haver uma palavra para definir isso, mais chocada ainda de pensar que em um local "público" você não poder estar parado esperando alguém, pois é difícil imaginar como alguém aparentaria uma razão para esperar. Esse é só um exemplo de coisas que fazem acreditar que a sociedade americana não vive em liberdade, ela funciona, mas a um alto preço.

É verdade que a sociedade brasileira ainda tem muitos problemas que não encontramos com tanta evidência em outros países. Porém, não podemos ignorar que a história de formação e evolução desses países foi bem diferente da nossa. Se hoje eles tem uma sociedade com poucos problemas sociais, certamente isso não foi construído em 50 anos. Além disso, é notório como em outros países a população, sobretudo a parcela mais esclarecida, tem um compromisso com a terra onde vive, contribuindo para o desenvolvimento e preservação da sociedade a qual faz parte. Infelizmente, isso não é tão comum aqui no Brasil. 

Não consigo observar o comportamento de pessoas como esse jornalista e não associar aos colonizadores e exploradores do passado, que após terem sugado de nossas terras tudo quanto puderam foram embora com os bolsos cheios, deixando um rastro de asco e repúdio. Certamente, mesmo vivendo lá na terra do tio Sam ele continuará enriquecendo às custas dos brasileiros que cultuam seus ensinamentos e sonham em se juntar a ele. 

Lamentavelmente, essas pessoas não querem um Brasil justo, desenvolvido. Na verdade o que buscam é um lugar onde os problemas fiquem camuflados ou afastados para bem longe, se possível do outro lado do oceano, para que os amigos do rei possam viver livres. É triste pensar que muitos são iludidos com a ideia do paraíso assim como Pasárgada era para o poeta. São induzidos por discursos inflamados de formadores de opinião tal qual o jornalista referenciado aqui. Muitos aceitariam até abdicar de suas competências intelectuais para exercerem funções que os amigos do rei não querem executar, desde que possam viver na Pasárgada da elite.

Prefiro acreditar que é possível  construir uma Pasárgada brasileira, realmente livre e justa. Onde a alegria seja geral e todos se sintam incluídos como amigos do rei.
 Essa Pasárgada pode ser construída. Para isso o povo precisa ter orgulho de viver aqui. É necessário desconstruir antagonismos entre ricos e pobres, acabar com o oportunismo que ainda impera por aqui, ter compromisso com o coletivo acima do individual. O caminho é longo, mas juntos podemos chegar lá. E então, vamos embora pra Pasárgada?  


  









quarta-feira, 11 de março de 2015

Como educar um filho para não ser machista

Ainda falando sobre machismo, hoje ouvi uma mulher mais nova do que eu dizer que  mesmo não sendo casada ela sabe que se quiser manter o casamento a mulher tem que se esforçar para atender a demanda sexual do marido. Enquanto a ouvia falar essa e outras coisas, fiquei pensando como pode uma pessoa na idade dela ter esse tipo de ideia?

Não acredito que alguém nasça machista, ou com qualquer tipo de preconceito. Toda criança é curiosa por natureza, se encanta com tudo e não estranha nada, não é a toa que os pais estão sempre vigiando os filhos para evitar que eles coloquem sujeira na boca, o dedo na tomada ou dê atenção a estranhos. Então, quando e como aprendemos a por rótulos nas pessoas e nas relações?

Sempre fui muito preocupada com que tipo de pessoa meu filho será. Certa vez, quando ele tinha 4 ou 5 anos, ao me ver lavando uma peça de roupa dele, ele me disse: "ainda bem que sou homem, quando eu tiver um filho não vou ter que lavar a roupa suja dele". Aquela declaração foi um golpe duro para mim. Depois de gastar um bom tempo explicando para ele que a responsabilidade pelo cuidados dos filhos é tanto do pai quanto da mãe, fiquei refletindo sobre como ele criou aquela ideia. Certamente, nem o pai muito menos eu  ensinamos isso a ele diretamente.  Porém, acreditando que educação vem de casa, passei a refletir quantas outras atitudes minhas estariam contribuindo para a formação  machista do meu filho.

Criar uma criança sem mimá-la é muito difícil.  Nossa tendência é sempre querer proteger, cuidar e fazer com que nossos pequenos se sintam felizes. Em geral, a mãe cumpre melhor esse papel, e muitas vezes, entre um cuidado e outro, ou excesso de afeto, sem perceber contribui para a formação do caráter machista. Recentemente, li um texto muito bom sobre lições para criar uma filha não machista. Inspirada nele resolvi listar algumas coisas que tento e pretendo ensinar ao meu filho.


  1. Sua mãe sou eu, se deixei você mimado não espere encontrar alguém que dará continuidade a esse trabalho. Então aprenda a preparar as coisas que gosta de comer, a cuidar da sua roupa, de seus objetos pessoais. Procure alguém com quem você goste de conviver e não que aceite ser sua serviçal. 
  2. A responsabilidade de manter limpo e organizado o ambiente onde você vive é tão sua quanto de qualquer pessoa que viva com você. Portanto, nunca pense que está ajudando com os afazeres domésticos. 
  3. Flores, bombons, presentes são ótimos quando são apenas um gesto de carinho. Quando fizer algo errado peça desculpas e se esforce para não repetir. Não subestime o caráter de alguém, achando que coisas podem substituir atitudes.
  4. Não é não. Ninguém precisa justificar o fato de querer ficar sozinho ou não estar a fim de atender seus desejos físicos. Saiba  ouvir não sem sofrer e levar pro lado pessoal, é melhor pra você e para quem convive contigo.
  5. Não ria ou faça piadas que descrevam mulheres como inferiores, burras ou interesseiras, esse tipo de atitude caracteriza misoginia, e espero do fundo do meu coração que você não vai se tornar misógino. Nessas horas pensem em sua mãe, avós e tias que você verá que não tem graça ouvir alguém desrespeitando as mulheres de sua vida. 
  6. Quando uma mulher te chamar atenção pela forma como está vestida não pense que ela está se oferecendo ou esperando uma cantada. 
  7. A aparência física pode encher os olhos e disparar seus hormônios, mas não se iluda, isso não representa absolutamente nada sobre o caráter e personalidade de alguém. 
  8. Se você engravidar uma mulher respeite as decisões dela sobre como proceder com a gravidez. Opine, converse, se envolva, mas tenha sempre em mente que o corpo pertence à mulher, então a palavra final deve ser dela.
  9. Quando tiver filhos mantenha sempre em mente que a responsabilidade pela criação deles é tanto sua quanto da mãe. E isso envolve trocar fraldas, dar banhos,  perder horas de sono acalmando o  bebê e tudo mais que que seu filho venha precisar. Compartilhando todas as tarefas, além de ser um bom companheiro você também será um ótimo pai e nunca irá se arrepender disso.
  10. Não tente cativar alguém com objetos ou mentiras. Não há falsidade que nunca se revele e bens materiais não garantem alegria. Se você quiser ter alguém seja honesto e transparente, só assim poderá ter certeza que qualquer demonstração de afeto é desinteressado e genuíno.
  11. Se quiser manter um relacionamento sadio e feliz trate a pessoa com quem está envolvido da mesma forma que você quer ser tratado. Não existe relacionamento duradouro sem reciprocidade.
  12. Ao longo de sua vida, certamente, você ouvirá coisas semelhantes de outras mulheres, mas espero que sabendo o quão importante esses conceitos são para sua mãe você se esforce para colocá-los em prática.